museu de arte popular

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Depoimento de Pedro Félix

Não vou entrar em questões estéticas ou ideológicas em torno do "Museu de Arte Popular". Quero partir de uma questão simples e concreta: O que é o "património"?

Por definição, património é algo que se transmite, que é passado, herdado, um bem que é transferido. A cultura, seja cultivada ou não; erudita, tradicional ou popular; é alvo de transmissão.

No entanto, pela sua eficácia simbólica, o Património é uma arma ideológica e política (no seu sentido mais corrente ao sentido mais filosófico). É pelo património que construímos a nossa identidade. Não é pelo património que a percebemos, ou que a representamos. Erro. É pelo património que construimos activamente o que somos pela forma como vemos que fomos.

A questão tão polémica do Museu de Arte Popular prende-se com o facto de muito pouca gente ter percebido do que falava quando falava daquela estrutura museológica. Uns argumentam que a sua defesa é demonstração de nostalgia salazarista, outros falam da "alma do povo"... nada disto me interessa. Nem creio que nos deva interessar. O que acho ser relevante é que durante a vigência do Estado Novo, em particular numa sua primeira forma, se procurou veicular uma "Política do Espírito", uma política operada pela instituição de prémios, de museus, de exposições, de turismo cultural.

A eficácia dessa "política do espírito" está mais do que comprovada. Quem não sabe que Monsanto é a aldeia mais portuguesa de Portugal (concurso que permitiu reunir o grosso do espólio que constitui o Museu de Arte Popular)...? quem não conhece o Galo de Barcelos? Saber se isto é ou não "Portugal", é um debate que deixo aos estetas e aos ideólogos. Uma coisa sei, não há qualquer relação linear que associe univoca e exclusivamente o folklore ao Estado Novo! Se o Museu de Arte Popular integrava o complexo da Exposição do Mundo Português, também acolheu depois do 25 de Abril a "Feira do Povo" e a pintura do mural colectivo dos artistas plásticos em celebração da revolução.... de facto, podiam ter ido pintar para outro lado, mas não, foram para ali... alguma razão terão tido...

A urgência de intervenção exige clareza do argumento e rapidez na sua exposição: Destruir a peça museológica e patrimonial que é o Museu de Arte Popular (entenda-se, edifício, frescos, grupos escultóricos, peças expostas, equipamento expositivo, o próprio programa e estrutura da exposição), é destruir a mais bem conservada e interessante peça dessa "Política do Espírito"; é destruir uma ferramenta para estudar o design, a política estética, a museológia histórica... Desmantelar a colecção reintegrando no Museu de Etnologia é uma violência conceptual que re-semantiza peças. Nunca mais conseguiremos perceber totalmente uma canga de bois com "Viva Salazar" gravado se esta estiver fora daquele edifício, longe dos desenhos do Tom...
Destruir, desmantelar, modernizar afectando estruturalmente o "Museu de arte popular" é um crime, primeiro de falta de reflexão, segundo de gesto iconoclasta sem fundamento.

Por outro lado, a sua conservação (explicando-o, contextualizando, musealizando o Museu) é um gesto de estudo patrimonial da maior riqueza e modernidade. É uma oportunidade radicalmente única de produzir uma máquina de conhecimento, uma estrutura museológica raríssima e moderna. É urgente.

Apelo a todos, seja qual for o seu interesse, a sua perspectiva, a sua motivação, a procurar evitar este erro.

Pedro Félix, antropólogo




Boneco concebido por Tom (Thomaz de Mello) envergando miniatura de traje de pescador da Póvoa de Varzim [1937].
© IMC / MC

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