museu de arte popular

Avatarfechado em Belém mas aberto aqui

Petição entregue ao Ministro da Cultura

Foi entregue ao Ministro da Cultura, através do seu chefe de gabinete, na tarde de ontem, a seguinte petição para a reabertura do processo de classificação do edifício do Museu de Arte Popular, incluindo os seus conteúdos decorativos (pintura murais, esculturas e baixos relevos), e considerando que edifício e museu são um todo integrado e coerente que deve ser preservado.

Ex.mo Senhor
Ministro da Cultura
 
Assunto: Museu de Arte Popular (MAP)
 
1.   Na década de 1980, a então directora do MAP apresentou ao Instituto Português do Património Cultural o respectivo pedido da classificação, com ampla soma de argumentos substanciais que fundamentavam a importância histórica, cultural e museológica daquele museu fundado em 1948.
Nessa proposta, relevava-se, em primeiro lugar, a originalidade, no contexto português e europeu, do projecto do arquitecto Jorge Segurado que, utilizando o edifício e a memória da decoração do Pavilhão da Vida Popular da Exposição do Mundo Português (da autoria dos arquitectos Veloso Reis e João Simões), neles instalou uma museografia inovadora, do ponto de vista estético e comunicacional, devendo notar-se a qualidade do design das vitrines e estantes então expressamente fabricadas.
Totalmente alterado no seu interior depois da Exposição de 1940, o edifício conservou no exterior os elementos escultóricos de Barata Feyo e Henrique Moreira, acolhendo um novo programa de pinturas murais, ao mesmo tempo decorativas e complementares à museografia, que foi da autoria de alguns dos nomes mais ilustres do modernismo pictórico, e que inequivocamente importa preservar.
Destacam-se entre os seus autores Carlos Botelho (os vastos murais da Sala das Beiras), Thomaz de Mello (Tom) e Manuel Lapa (átrio do Museu e a Sala de Entre Douro e Minho – esta uma notável pintura que lembra Torres Garcia quanto ao alfabeto de sinais e ao seu espalhamento serial, para além de fazer a ponte com o "sistema" pictural de Joaquim Rodrigo), Estrela Faria (Alentejo), Paulo Ferreira (Estremadura).
Essa museografia modernista, com grande requinte no tratamento da luz, dos circuitos, da distribuição cenográfica das peças e da eficácia do grafismo foi herdeira da experiência da equipa artística do SPN que, ao longo da década de 1930, realizou diversos pavilhões que representaram Portugal em certames internacionais, colhendo sistemáticos elogios e destacados prémios. Por isso, o pedido de classificação do MAP acentuava, correctamente, o facto de a sua museografia dever ser considerada uma peça fundadora do moderno design de exposições em Portugal.
Deve ainda ser relevado que, apesar da articulação orgânica do MAP com os princípios ideológicos e as estratégias da “Política de Espírito” de António Ferro, as novas figuras da etnologia portuguesa, como Jorge Dias e Ernesto Veiga de Oliveira, segundo testemunho de Benjamim Pereira que com eles elaborou o projecto do Museu Nacional de Etnologia, consideraram o MAP uma criação importante para valorizar as culturas tradicionais portuguesas.
Os dados apontados obrigam a sujeitar a profunda crítica os simplismos de quem continua a considerar o MAP um espelho do Estado Novo, confundindo as dinâmicas sociais, culturais e simbólicas com a sua apropriação ideológica e política.
 
2.   Depois da criação do Instituto Português de Museus (IPM), em 1991, a sua primeira directora, Simonetta Luz Afonso, empenhou-se, com grande entusiasmo, na renovação do MAP. O projecto de requalificação foi do arq. Luís Rebelo de Andrade, modernizando os gabinetes de trabalho, criando uma sala de exposições temporárias e valorizando as possibilidades de utência do pequeno claustro. Assim renovado, o MAP realizou, nos anos subsequentes, uma série de exposições temporárias, a mais notável de todas dedicada à iconografia popular de Santo António.
 
3.   A renovação do MAP continuou a ser preocupação do IPM que, no âmbito do 3º Quadro Comunitário de Apoio, apresentou ao Programa Operacional da Cultura (POC) uma candidatura para requalificar estruturalmente o edifício, primeiro ao nível das fundações e, numa segunda fase, ao nível das coberturas. As obras realizaram-se, em faseamentos sucessivos, entre 2000 e 2007 com assinalável sucesso.
Para a directora do IPM que candidatou aquelas obras a fundos comunitários, a sua justificação era inequívoca: à renovação do edifício, suceder-se-ia a reinstalação das colecções, respeitando os valores patrimoniais da primitiva museologia mas esclarecendo os públicos sobre os seus contextos ideológicos, devedores da etnologia oitocentista e da sua apropriação nacionalista por parte do Estado Novo. Havia também a intenção de vir a criar uma área nova no MAP, no terreno anexo que lhe pertence, para possibilitar confrontos e enriquecimentos com outras colecções afins ou com a produção contemporânea.
 
4.   As iniciativas elencadas, todas elas visando a salvaguarda, valorização e modernização do MAP foram dramaticamente interrompidas em 2006, quando a então Ministra da Cultura (MC) anunciou o projecto «Mar da Língua Portuguesa, Centro de Interpretação das Navegações», que desde 30 de Outubro desse ano está descrito no “Portal de Governo”. Tal entidade iria ser instalada precisamente no edifício do MAP que por isso seria extinto e as suas colecções depositadas no Museu Nacional de Etnologia (MNE).
Este é o contexto do Despacho de 28-11-07 do Director do IGESPAR IP, revogando o Despacho de 1991 que iniciara o processo de classificação. O edifício do MAP passou a estar apenas abrangido pela Zona de Protecção do conjunto monumental de Belém, o que, deliberadamente, deixa aberta a possibilidade de se vir a ignorar que o edifício e o museu são um todo coerente. No entanto, o MAP não foi ainda formalmente extinto e as suas colecções mantêm-se, no MNE, na figura sempre temporária de depósito.
 
5.   Em face do exposto, os signatários desta petição vêm solicitar a reabertura do processo de classificação do MAP, tendo em conta que:
 
a.    O edifício do MAP é uma sobrevivência historicamente relevante da Exposição do Mundo Português, testemunho único de um pavilhão expositivo que agrega a arquitectura, a escultura e a pintura num programa modernista.
 
b.    A recente requalificação do edifício – na sequência de obras financiadas pela Comunidade Europeia, estritamente destinadas à salvaguarda e manutenção  do MAP – cria as condições para que as colecções a ele regressam, garantindo a preservação patrimonial e museológica de um conjunto integrado, único em Portugal, da mais relevante importância para valorizar as artes populares numa perspectiva contemporânea.
 
A hipótese da não reabertura do MAP no edifício assim requalificado configura um incumprimento dos objectivos do financiamento comunitário que será seguramente passível de uma penalização do Estado Português.
 
c.    A reanunciada intenção do MC de instalar no MAP  o Museu da Língua comprometerá definitivamente  a reinstalação das colecções do anterior Museu e, dadas as próprias características dos conteúdos mediáticos para ele anunciados,  põe em risco a integridade arquitectónica do edifício e da sua decoração escultórica e pictórica, a qual teria naturalmente de ser ocultada por razões técnicas e também por inadequação conceptual e ideológica ao seu eventual programa (o nacionalismo das orientações dos anos 1930/40 versus universalismo).
Estes factos configuram um crime patrimonial, uma imprevista e injustificada alteração do panorama museológico lisboeta e nacional, para além de ser um grave incumprimento dos compromissos assumidos em relação aos financiamentos da CE para a requalificação daquele Museu.
 
d.    A decisão do MC e do Governo de extinguir um museu e de criar outro não pode ser um acto pessoal, sem qualquer discussão prévia nem escrutínio por parte de especialistas. Será necessário alterar a lei orgânica do Instituto dos Museus e da Conservação que continua a manter o Museu de Arte Popular no elenco dos museus dependentes daquele organismo. Será necessário reunir e auscultar o Conselho Nacional de Cultura que, escandalosamente, o MC continua a ignorar. Será necessário explicar publicamente a origem dos dinheiros públicos que estão a ser investidos no projecto de reconversão do edifício e os critérios que presidiram à selecção das equipas envolvidas.
 
Lisboa, 18 de Maio de 2009
 
 
Catarina Portas, Empresária
 
 
Joana Vasconcelos, Artista plástica
 
 
Raquel Henriques da Silva, Professora da Faculdade de Ciências Socias e Humanas, UNL
 
 
Rosa Pomar, Designer
 
 
Alexandre Alves Costa, Professor da Faculdade de Arquitectura,
Universidade do Porto
Alexandre Pomar, jornalista, crítico de arte
Ana Tostões, Professora do Instituto Superior Técnico,  vice-presidente da Ordem dos Arquitectos
António Lamas, Professor do Instituto Superio Técnico, presidente do Conselho de Administração da sociedade Parques de Sintra Monte da Lua
António Pinto Ribeiro, Professor, programador cultural
Bárbara Coutinho, Directora do MUDE
Dalila Rodrigues, Historiadora de Arte, directora da  Casa das Histórias e Desenhos – Paula Rego
Fernando Pereira Marques, Professor universitário
Helena Roseta, Arquitecta, Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa
Jorge Calado, Professor do Instituto Superior Técnico
João Leal, Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, UNL
José Aguiar, Professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, presidente do ICOMOS
José Luís Porfírio, Crítico de arte, antigo director do Museu Nacional de Arte Antiga
José Manuel Fernandes, arquitecto, professor da Faculdade de Arquiectura, UTL
Lourenço de Almeida, Vogal de Direcção do Centro Nacional de Cultura
Luís Raposo, Arqueólogo, Presidente do ICOM
Manuel Botelho, Pintor, professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa
Manuel Falcão, Consultor de Estratégia de Comunicação
Manuela Júdice, Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa
Natália Correia Guedes, Directora do Museu do Oriente
Nuno Júdice, Professor universitário, escritor
Nuno Portas, Arquitecto, professor jubilado da Faculdade de Arquitectura, Universidade do Porto
Paula Teixeira da Cruz, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa
Paulo Ferrero, Fundador do Fórum Cidadania Lx
Rui Afonso Santos, Historiador de Arte, Museu do Chiado
Sérgio Fernandez, Professor da Faculdade de Arquitectura, Universidade do Porto
Teresa Costa Pinto, Arquitecta, PhD student, MMU Manchester
Simonetta Luz Afonso, Gestora cultural, conservadora de museu
Victor Pinto da Fonseca, coleccionador, galerista
 
 

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