museu de arte popular

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A Arquitectura do Museu de Arte Popular - significado histórico

Texto do arquitecto José Manuel Fernandes publicado com o título "Olhar para o Lado" em 4-11-2006, no Expresso.


Pavilhão da Vida Popular. Fotografia de Mário Novais, 1940.
O “restante” Museu de Arte Popular / MAP, com o seu edificio de característica fachada classicizante e simétrica, nasceu com e para a famosa Exposição do Mundo Português de 1940, sendo então parte integrante de um vasto conjunto pavilhonar. Não se adivinhava na época, para aquelas construções “efémeras” com estrutura de metal e armações de madeira e gesso, uma vida tão longa como são mais de seis décadas...

Se consultarmos o “Programa Oficial / Comemorações Centenárias / 1940”, lá vem identificada, na planta geral da exposição, a mole inconfundível do edifício cujo encerramento agora causa polémica, situado a poente do actual ( e também sobrevivente) “Espelho de Água”, como um dos núcleos do chamado “Centro Regional” - tendo as “Aldeias Portuguesas” do seu lado norte, com a linha férrea e a Avenida da India a separá-las, mas ligadas ambas por uma ponte pedonal (como agora se pretende construir, para ligar a mesma área ao CCB, que entretanto se substituiu às ditas aldeias...).

O grandioso edifício constituía-se como uma das “secções” da mostra (como então se designavam): era a “Secção da Vida Popular”, que se exibia como um repositório de materiais e práticas etnográficas desta mesma “vida” – e que foi naturalmente transformado depois do encerramento do certame em Museu de Arte Popular...claro que sempre na visão folclorista que o Estado Novo detinha sobre a dita.

Se folhearmos o esplêndido catálogo “Mário Novais / Exposição do Mundo Português 1940” (Fundação Calouste Gulbenkian. 1998), podemos apreciar a imagem do edifício que o valoroso fotógrafo registou: é a foto 4, identificada como sendo do “Pavilhão das Artes e Indústrias e Espelho de Água / Secção da Vida Popular”. Trata-se de uma fotografia nocturna, em que a iluminação rasante valoriza as texturas e decorações da fachada pavilhonar, exibindo claros motivos vernáculos, como a telha, as peças cerâmicas, etc.

Diz-nos Rui Santos que a obra foi da autoria do arquitecto Jorge Segurado (que também deve ter projectado as “Aldeias Portuguesas” do outro lado da linha), e contou, como em muitos outros pavilhões, com a participação de diversos artistas plásticos, neste caso Tomás de Melo (Tom), Estrela Faria, Manuel Lapa, Eduardo Anahory, Carlos Botelho e Paulo Ferreira: afinal, dos mais notáveis pintores, ilustradores, decoradores, designers do seu tempo. E Jorge Segurado, se aqui executou uma construção de sentido complementar (se compararmos com os mais majestosos pavilhões da Praça do Império, por Cottinelli Telmo e Cristino da Silva), é o autor do mais importante e ímpar edifício do modernismo português, a fortíssima e aparentemente duradoura Casa da Moeda, ao Arco do Cego, em Lisboa...

Ainda recordo aquele espaço, nas minhas visitas de estudo escolares, em que participei no tempo da Instrução Primária, algures por 1959-60 – e nessa época o Museu impressionava, com o seu cheiro às mais diversas matérias orgânicas, vegetais (já algo mofentas), e com os manequins, trajados a rigor, convivendo com os mil objectos de um mundo rural ou aldeão que ignorávamos... Apesar de tudo, como museu informativo e visão coerente de pedagogia, era uma utilidade que ainda se recomendava.

Depois, nas décadas de 1970-90, foi o acentuar da decadência, com a respectiva falta de investimento, associada a (e provocada) por uma espécie de “olhar para o outro lado” que o pensar no tempo histórico do Estado Novo desencadeou (e ainda desencadeia, pelos vistos) em muitos dos nossos concidadãos, e que tem como consequência a depredação ou desaparecimento fatal de muitos documentos com valor histórico. É que, quer se queira quer não, o período salazarista correspondeu a cerca de metade do atribulado século XX português – e por isso, para alguma coisa há-de servir estudá-lo e conhecê-lo, sem complexos esquerdistas mas também sem preconceitos e ênfases direitistas – apenas como ele já é, para a maioria jovem da nossa comunidade – um tempo antigo, dos avós, que provoca alguma curiosidade pela sua aventurosa sequência de factos...

Há alguns anos, foi necessário, aparentemente in extremis, envolver o edifício do museu por uma estrutura de suporte de uma cobertura provisória, e o seu encerramento foi inevitável, aguardando por melhores dias. Não é compreensível, à luz do nosso contexto cultural de hoje, nem que se “deite fora”, ou reinstale algures o espólio deste objecto construído, nem que se faça outra coisa em lugar do que lá está. As razões para isso, já do conhecimento público na sua maioria, são essencialmente estas:

1 – o significado histórico do edifício, no contexto do lugar (é indissociável do “Espelho de Água”, do monumento aos Descobrimentos, das esplanadas envolventes) e da sua função (o olhar classificador e paternalista do Estado Novo, colocando a Cultura e Arte Populares “a seguir” à História e à Arte Erudita, na hierarquia da Expo 1940);

2 – a importância arquitectónica do edifício, que é hoje um “facto singular” e quase isolado no quadro das edificações sobreviventes, intactas ou quase, da Expo 1940 – raridade na sua solução construtiva, utilizando ferro, madeira e gesso, raridade na sua dimensão estética, porcurando conjugar o desenho modernista e geométrico com a forma mais clássica, representativa e neo-historicista – muito “à maneira” de 1940;

Esperemos que o bom senso prevaleça, gerando um futuro MAP competentemente recuperado e de nova aberto ao público!

José Manuel Fernandes arq
30/10/2006


Núcleo das Aldeias Portuguesas e Pavilhão da Vida Popular. Fotografia de Mário Novais, 1940.

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