
(o artigo continua no número de Junho de 2009 da revista L+Arte).

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fechado em Belém mas aberto aqui
Levantamento do parque museológico e monumental da zona de Belém (da Torre de Belém à Cordoaria Nacional), detectando virtualidades, abandonos, eventuais lacunas e elaborando um plano integrado de valorização de cada peça e do conjunto;Em relação ao conjunto, adopção de medidas potenciadoras dos circuitos integrados, em domínios tais como percursos pedonais, bilheterias comuns, programação, promoção e merchandising articulados, parqueamentos de viaturas, navette de ligação gratuita, mediante a apresentação de títulos de entrada em museus ou monumentos;Em relação a peças individuais:Reabertura do Museu de Arte Popular no seu lugar próprio, devidamente modernizado, mas respeitando a colecção e o conceito original;Dinamização do Museu Nacional de Etnologia, promovendo o acesso ao mesmo pela sua inclusão na rede assim definida;Ampliação do Museu de Marinha em dois sentidos: para os terrenos disponíveis a poente das instalações actuais e para a Cordoaria Nacional, onde deverão também ser colocados o Arquivos Histórico e a Biblioteca Central de Marinha, retirando-a dos Jerónimos e demolindo o edifício onde se situa, o qual constitui um verdadeiro atentado ao espírito daquele lugar;Ampliação do Museu Nacional de Arqueologia no Mosteiro dos Jerónimos, retomando os projectos já existentes para o efeito e adaptando-os agora às possibilidades que se abririam com a transferência para a Cordoaria Nacional da Biblioteca Central de Marinha e, eventualmente, de algumas áreas ocupadas presentemente pelo Museu de Marinha;Manutenção do conjunto mais emblemático de coches nas instalações actuais do Museu Nacional dos Coches, iniciando imediatamente um programa urgente do seu restauro;Criação na Cordoaria Nacional de um centro museológico industrial-naval e de arqueologia subaquática, explorando as ligações ao rio Tejo, onde, em posição fronteira, deverá ser criada um cais para acostagem e visita a navios históricos, em ligação com o referido núcleo museológico;Finalmente, quanto à intenção de construção de um novo Museu Nacional dos Coches, no caso de não ser considerada possível a sua total reversibilidade (o que idealmente mantemos como desejável) e dando por adquirido nas suas linhas gerais o projecto de arquitectura já existente, adopção das seguintes medidas:Afectação ao Museu Nacional dos Coches, para instalação de serviços e ampliação dos espaços expositivos, da construção anexa ao edifício principal, situada em frente do referido Museu;Instalação no edifico principal de um novo museu, cuja necessidade se faça sentir depois do levantamento indicado no ponto 1. Os critérios de escolha para o efeito deverão privilegiar conteúdos susceptíveis de constituírem uma poderosa mais-valia para a promoção dos fluxos turísticos (nacionais e internacionais) na zona de Belém, servidos por tecnologia de última geração e não tanto por colecções patrimoniais intrinsecamente únicas. Entre outras possíveis ideias, avançamos desde já com a de um Museu da Viagem, capaz de evocar a diáspora portuguesa em toda a sua extensão temporal, nomeadamente deste a chamada Epopeia dos Descobrimentos (colocando em relevo os aspectos antropológicos do contacto com o “outro” e a dimensão técnica e científica da época) até à gesta das viagens da emigração dos séculos XIX e XX.Luís RaposoRaquel Henriques da Silva
O tema desta crónica retoma um tema que já abordei, neste espaço da L+Arte mas também noutros espaços de comunicação. O caso é que, como recentemente disse (Câmara Clara de 14 de Dezembro) parece que o Museu de Arte Popular (MAP) tem sete foles, usando adequado adágio da fala popular…
Depois da ex-ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, ter decidido fechá-lo definitivamente, fazer instalar as suas colecções no Museu Nacional de Etnologia (MNE) e decretar que, no edifício dos anos de 1940, se instalaria o Museu da Língua Portuguesa (misturando-a com o mar, coisa que, confesso, nunca consegui fixar, mesmo em mero título), a certidão de morte estava proclamada. Mas poderá não ser assim: a ministra saiu sem que, juridicamente, o MAP tenha sido extinto. O actual Ministro creio que nunca falou sobre o assunto e, apesar da direcção do Instituto Português e da Conservação (IMC), me garantirem que nenhuma revisão é esperável, resolvi renovar os meus votos em sentido contrário. Por duas ordens de razões: uma do domínio dos princípios, outra porque poderá haver uma interessante solução.
Recapitulando os princípios: o MAP foi uma tardia criação do Estado Novo que, mais do que a ideologia do regime (só então em processo de cristalização improdutiva) manifesta a ideologia e a estética do modernismo na abordagens das heranças populares, valorizando os seus casticismos, inventariados desde os finais do século XIX. O inventário e a valorização dos quotidianos de trabalho e festa não ignorou metodologias mais ou menos rigorosas da etnologia, mas submeteu-as ao gosto pelos objectos únicos, característico dos procedimentos dos museus de belas-artes. Esta hibridez de actuação informa a própria arquitectura do edifício – visando recriar motivos das casas populares do sul de Portugal, mesclando-os com a erudição modernista da fachada principal – bem como a sua importante decoração interior, realizada pelo escol dos pintores e ilustradores dos anos de 1930-40.
No conjunto dos factos apontados radica a impossibilidade de reconversão do edifício a outras funções: ele nasceu como Pavilhão da Arte Popular na Exposição do Mundo Português (1940) e quando foi transformado em Museu assumiu essa marca de origem, fazendo dela o mote da museografia modernista do arquitecto Jorge Segurado. Não podendo ser outra coisa senão o que sempre foi e não podendo ser alterado por questões sérias de salvaguarda patrimonial (é o único edifício sobrevivente do conjunto expositivo de 1940 e possui, in situ, uma rara colecção de pinturas de escala considerável), só a modernização do MAP, sobre a conservação do edifício, é saída aceitável e não a sua apropriação para usos desadequados que invejam a espectacularidade do sítio. Se a decisão for correcta, foi positivo que as colecções tenham sido recolhidas no MNE onde, finalmente, estão a ser estudadas. Deverão retornar depois à casa-mãe, na figura institucional de núcleo museológico do MNE que assegurará a sua programação, eventualmente com a entrada de peças do seu próprio acervo e a assunção plena do passado, através da narrativa expositiva das razões de ser do MAP , no contexto do Estado Novo e das heranças da primeira fase da Etnologia em Portugal.
As razões absolutamente constrangentes para a salvaguarda do MAP não devem ignorar que, ao contrário de vários ministros e de algumas pessoas que, militantemente, pretendem apagar os vestígios da cultura do Estado Novo, há muita gente que tem saudades do Museu, considerando o seu papel afectivo na salvaguarda de memórias e de patrimónios artesanais. Entre os amigos do MAP, quero evocar aqui Catarina Portas, empresária que, nos últimos anos, tem desenvolvido um trabalho meritório em prol da cultura portuguesa, quer nos domínios dos artesanatos domésticos, quer de indústrias extintas que inventaram e implantaram marcas portuguesas. Diversas vezes, a Catarina me abordou, cheia de vontade de fazer alguma coisa, na sua loja de Lisboa, para questionar o desaparecimento do MAP. Mas, há dias, fui eu que avancei, propondo que exploremos a estreita brecha de possibilidades que permanece.
Neste momento, tanto o Ministro como a Secretária de Estado estão empenhados, positivamente, em reflectir sobre os caminhos possíveis para modernizar a gestão dos museus. Creio que pretendem utilizar a maior flexibilidade dos regimes da administração pública, mas também o quadro jurídico que será criado com a Lei sobre o Regime Geral dos Bens do Domínio Público que se encontra em discussão. Não é a altura de me deter sobre o projecto deste último Diploma que está a ser negativamente considerado pelas associações de defesa do património histórico, nomeadamente o ICOMOS. O que o Estado pretende é, à partida, positivo: assumir que não tem nem meios nem capacidade para gerir todo o património público e que, nesse quadro, deve pensar soluções diversas, entre elas a concessão a privados.
Correndo o risco de escandalizar muitos amigos, afirmo que poderá estar aqui a solução para o MAP. Idealmente, considero que ele deve reabrir como núcleo do MNE e por este programado. Mas não podemos esquecer as dificuldades do próprio Museu, extensivas ao IMC que o tutela, nem – é preciso dizê-lo com clareza – o desamor que, em geral, o envolve. Ora há uma empresária, dedicada com sucesso e grande qualidade à promoção da cultura popular portuguesa, que receberia com agrado a concessão do MAP. Não o deseja para enriquecer, antes para salvara e valorizar os sentidos com que ele foi criado.
Pela minha parte, se o Ministro da Cultura quiser entender as potencialidades deste desafio, estou disponível para participar na sua concretização. Para salvar o MAP (o que exige amor e entusiasmo) e para testar, na prática, as desejadas alterações nos modelos de gestão dos museus em Portugal. Recordo o que todos os historiadores sabem: desde 1820, somos bastantes bons a fazer leis e péssimos a implementá-las. Há muito defendo que, pelo menos na Cultura, deveríamos começar por práticas inovadoras em situações concretas.
O MAP é um testemunho raro de uma visão do mundo que é parte decisiva da história recente de Portugal e da Europa. Toda a investigação contemporânea sobre a "política de espírito" do Estado Novo tem paragem obrigatória no MAP1. A ministra da Cultura anunciou recentemente o encerramento do Museu de Arte Popular (MAP) e a afectação do seu espaço a um novo museu, da Lingua Portuguesa e dos Descobrimentos.
Sobre o novo museu sabemos ainda pouco. A sua inspiração parece ser o Museu da Lingua Portuguesa de São Paulo (Brasil). À Lingua Portuguesa acrescentam-se, no caso português, os Descobrimentos. A mistura ameaça ser explosiva e, se não houver cuidado, estaremos de novo a falar da língua portuguesa à luz dos lugares-comuns da ideologia "lusófona". Também não sabemos quem irá conceber o projecto nem as parcerias científicas estabelecidas. De mecenas sabe-se pouco. Seguro, seguro é que o novo museu vai custar 2,5 milhões de euros.
Em contrapartida sabemos mais sobre o MAP. Sabemos que o museu foi inaugurado em 1948. O pequeno edifício, bem como a sua museografia, são projecto do arquitecto Jorge Segurado e a decoração (grandes painéis que preenchem a quase totalidade dos alçados) foi assegurada por pintores modernistas que, desde os anos 30, trabalhavam para o SPN (Secretariado de Propaganda Nacional), recuperando o espirito da Exposição do Mundo Português (1940), particularmente dos núcleos das "Aldeias Portuguesas".
Sabemos que o MAP representa o marco mais significativo dos discursos sobre cultura popular portuguesa promovidos pelo Estado Novo de Salazar e António Ferro. Sabemos também que esses discursos se situam na sequência das tematizações da cultura popular iniciadas pelos grandes etnógrafos de finais do século XIX - TeófIlo Braga, Adolfo Coelho, Leite de Vasconcelos - e prosseguidas, durante os anos da I República, por intelectuais como Vergílio Correia ou Luís Chaves. Sabemos que foi em alternativa a essa visão da cultura popular que se constituiu a equipa de Jorge Dias ou que pesquisadores vários, situados à esquerda, desenvolveram o seu trabalho.
Sabemos também que o MAP ficou órfão muito cedo: o Estado Novo desinteressou-se dele, a Revolução viveu incomodada com ele, a democracia esqueceu-o. Nos últimos anos ficou também claro que o MAP tem tido à sua frente uma equipa pouco dinâmica, sem verdadeiro projecto museológico. Mas, depois destes tempos difíceis, a conclusão das obras de restauro do museu permitia antecipar uma "nova vida" para o MAP.2. Ao decidir o seu encerramento, a ministra da Cultura foi de opinião diferente. Fazendo-o, não parece ter levado em conta a importância do MAP e o lugar único que ele ocupa na história do século XX português. Se há museu que, em Portugal, merece ser musealizado é o MAP. O MAP é um testemunho raro de uma visão do mundo que é parte decisiva da história recente de Portugal e da Europa. Toda a investigação contemporânea sobre a "política de espírito" do Estado Novo tem paragem obrigatória no MAP. Ele constituiu o único vestigio- embora indirecto - da Exposição do Mundo Português de 1940. Tudo nele é irrepetível: o edifício, os objectos, o modo como foram coreografados, os murais de Botelho, Tom, Paulo Ferreira ou Manuel Lapa.
3. Por isto tudo, o MAP deve ser musealizado. Não se trata só de pôr o que lá estava e como estava, mas de construir, em cima disso, um percurso crítico, uma reinterpretação, um ponto de vista distanciado.
Em cima dessa musealização, seria possível desenvolver novas valências para o MAP. Uma possibilidade seria abrir o museu - atravês de uma sala de exposições temporárias - para o universo das culturas populares contemporâneas e dos novos artesanatos urbanos e rurais, feitos de misturas, de hibridez e de reinvenções da tradição (Nestor García Canclini). Mas há outras possibilidades, como seja a de agregar ao MAP um novo pavilhão onde o tema da língua portuguesa pudesse ser trabalhado numa perspectiva ampla, não imperial, com recurso simultâneo à linguística e à antropologia. Em qualquer dos casos, este "recomeço" do MAP deveria ser articulado com o Museu Nacional de Etnologia, sob cuja tutela o "novo" MAP deveria ser colocado (como de resto já esteve previsto, mas nunca chegou a acontecer).4. Os museus, disse a senhora ministra, "nascem, vivem e morrem". Mas as decisões políticas - sobre cultura ou sobre outros domínios - não são irreversíveis. Esperemos que seja o caso.
PROFESSOR DE ANTROPOLOGIA, UNL, E PROFESSORA DE HISTÓRIA DE ARTE, UNL
in PÚBLICO | 10 Novembro'06
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