O Museu de Arte Popular, em Belém, está fechado desde 2003. Um destes dias, visitei-o. Entrando por uma porta aberta pelo descuido da meia dúzia de homens das obras que por lá se entretiam mais do que trabalhavam, não tive que pagar bilhete, apenas não fazer barulho. O que vi e fotografei, chocou-me: o chão era um areal soltando poeira sobre as paredes pintadas de frescos vários (havia uns plásticos pendurados nalgumas paredes, de facto, mas esqueceram-se de lhes prender o fundo). O resto lá continuava: a belíssima grade de ferro forjado no primeiro andar, a entrada original com o seu mapa do país em alto relevo, nas paredes o que resta das colaborações de artistas como Manuel Lapa, Tom, Eduardo Anahory, Carlos Botelho, Estrela Faria e Paulo Ferreira com as quais o Museu foi inaugurado a 15 de Julho de 1948. E lixo, muito lixo, jornais dos anos 60 e papéis velhos em resmas pelos cantos. Desolação e abandono absolutos.
Isto que eu vi, um edifício histórico abandonado ao deus dará, sem estima nem sensibilidade, foi o que o Estado do meu país fez ao museu onde se guardava a melhor colecção portuguesa de arte popular. Este conteúdo existe, no entanto, está hoje encafuado nas reservas do Museu de Etnologia para que ninguém o possa ver. Tudo isto aconteceu quando, em 2006, a então Ministra da Cultura de triste memória proferiu a lapidar frase “Os museus nascem, vivem e morrem”, assassinando assim o MAP. Quando o novo Ministro da Cultura tomou posse, alguns de nós suspirámos de alívio, sobretudo quando o ouvimos criticar várias das opções da sua antecessora, incluindo o Museu do Mar da Lígua Portuguesa a instalar no MAP. Mas, na sua mais recente entrevista a este jornal, constatámos que afinal tudo voltou à mesma triste sina. Agora, o Museu da Língua já não vai para o Norte do país, é outra vez para ficar em Belém, no edifício do MAP, pois claro.
E o edifício do MAP é apropriado para o museu da Língua? Não, porque é pequeno. Não, porque a maior parte das suas paredes estão cobertas por elementos e pinturas decorativas de vários artistas portugueses. Não, porque as janelas são muitas e enchem o seu espaço de luz. Como sabemos, a ideia do Museu da Língua não é original, trata-se apenas de uma cópia do museu com o mesmo nome que uns governantes portugueses viram em São Paulo e acharam “giro”. Baseado em novas tecnologias, com uma profusão de ecrãs e muita interactividade. Calha aqui? Não, não calha nada. Implica, como qualquer pessoa de bom senso poderá depreender in loco, a destruição quase total deste edifício, o único que restou, embora remodelado, da Exposição do Mundo Português. Acarreta, para mais, a morte de um museu único no seu género, com uma história sobre a qual há muito para reflectir - a construção da imagem de um país por um regime, simultaneamente falsa e verdadeira, e tão fascinante de observar e dissecar hoje ainda.
Não haverá nesta cidade e no seu porto outra hipótesa para albergar o Museu da Língua? Não haverá, neste país, coragem para uma recuperação exemplar e modernamente interpretada do Museu de Arte Popular?
Crónica de Catarina Portas, Público 21 de Fevereiro de 2009
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